quarta-feira, 6 de abril de 2011

Quaresma dos pequenos e servos

"O que torna o menino mimado especialmente irritante é o contraste ridículo entre o seu estado e o seu comportamento: tem um metro de altura mas olha para as coisas de cima para baixo. Não gostamos de vê-lo exigir tudo antes de conhecer alguma coisa, nem de vê-lo dar ordens quando a sua tarefa é obedecer. E, no entanto, a nossa atitude perante a existência é a mesma. Vivemos com a estranha ideia de que o cosmos tem uma dívida a pagar-nos, e na arrogância de considerar que temos alguma proporção com o que nos rodeia.

Não queremos ver que, por mais adultos que sejamos, continuamos sempre a ser meninos no meio de tudo isto. O curso dos dias, cheios de acontecimentos dentro dos quais não há espaço para perguntas, dá-nos a sensação de que a vida nos dá pelo ombro. Mas a atenção, o olhar que interrompe a sonolência, vem dizer algo diferente: tudo é estranho, tudo me escapa. Há um grande segredo anterior a mim. Basta ver uma flor erguer-se da terra. Basta parar uns segundos perante uma das nossas mãos para perceber que as coisas óbvias não são nada óbvias. Descobrir o mistério que é para nós cada pedaço de ser e, além disso, tomar consciência de que a nossa vida é vã, terrivelmente vã, sem a esperança que a Palavra de Deus nos propõe, põe-nos no lugar e ensina-nos que a justa maneira de olhar é de baixo para cima.

Se na Quaresma nos preparamos para acolher Cristo em toda a sua radicalidade, o reconhecimento da pequenez toma neste tempo uma especial importância. Meninos mimados não morrem na Cruz. Há que aproveitar a Quaresma para combater a tendência arrogante da nossa natureza ridiculamente orgulhosa, pois não há conversão sem humildade. Sem reconhecer de modo profundo que não me basto a mim mesmo, que força é que vai encher os meus passos? Sem a consciência da minha insuficiência, o cristianismo arrisca-se a tornar um assunto de cabeceira.


E os Evangelhos mostram muito claramente que Jesus não me convida a ser um burguês com trejeitos morais. A sua linguagem, aquela através da qual venceu a morte na Cruz, é a servidão. Cada um de nós é chamado a submeter-se a uma vontade que não a sua. Para começar a responder a esse apelo difícil há que reconhecer, em contemplação séria, a nossa verdadeira posição perante o mistério das coisas. E em seguida perguntar, como se pela primeira vez: na minha vida particular, de que modo é que quero assumir a condição de servo?"

quarta-feira, 23 de março de 2011

Os fins justificam os meios...

Lia, há dias, um texto que referia um poema de T. S. Eliot que diz
«Os homens velhos deviam ser como exploradores […]
Caminhando sempre em direcção a uma nova intensidade,
a uma união mais alta, uma comunhão mais profunda […]
No meu fim está o meu início.»

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Caminho



Caminho.
Aqui e ali.
Não sei bem para onde ou por onde.
Mas caminho

Sei que em direcção a algo,
Algo que eu não conheço
Mas sei que tenho de lá chegar...

Defronte a mim erguem-se
Caminhos imponentes e intimidantes
Caminhos que já cresceram há muito tempo
Donos do mundo
Senhores do ar que respiro
A sua sombra, que se eleva muito para lá do que os meus olhos alcançam,
Corre atrás de mim
Engole-me
E eu só posso andar e andar
Cada vez mais rápido
Para que a sombra desse caminho
Não me turve

E eu corro..
Porque tenho medo
Sei que tenho onde estar
Tenho de te encontrar
Pelo que não posso parar
Não posso olhar para trás e espreitar os braços dessa sombra

Porque no fim do caminho tu estarás lá
Resplandecente
Com os teus braços longos e abertos
Para me roubares a essa sombra
Que me persegue
Que me quer sua
No seu negrume
No seu vazio de nada

Rouba-me a essa vida
Pois por ora, eu corro.
Corro muito
Só porque acredito que tu estarás lá.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Cortar o tempo...

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Está a chegar o Natal!

De súbito paramos e apercebemo-nos de que já está quase ai.
Ouvimos coisas parvas ditas pelas pessoas. Não acreditam. Dizem que não existe. Rimos e sabemos que não é verdade. Falamos e sabemos que não somos nós quem fala. Já não acreditamos naquilo que todos dizem. Poderíamos continuar adormecidos, distraídos, entretidos. Como os outros. Mas naquele momento vemos com clareza que tudo terá de ser diferente. Que teremos de fazer qualquer coisa semelhante a levantarmo-nos de um charco, ir vestir a nossa melhor roupa porque Ele já está a chegar. Qualquer coisa como empreender uma viagem até ao castelo distante onde temos uma herança de nobreza a receber.
Há uma imensa fome de verdade a gritar sem ruído, uma vontade grande de não mais ter medo, o reconhecimento de que é preciso baixar a fronte e pedir ajuda. E perguntar o caminho.
Quando sentires isto, reza. Comigo resulta.
Feliz Natal!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Mãos

"corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa

abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado

mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas

levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo"